Um governo desmascarado e antidemocrático

No futebol, um jogador mascarado é aquele que acha que joga muito mais do de ele realmente joga, colocando-se acima dos demais, e, geralmente comprometendo a união do grupo e os resultados da equipe.

No cinema, alguns personagens vestem a máscara para preservar sua identidade. Eles combatem o crime, são taxados de heróis e bonzinhos. Outros também usam máscaras, mas é para praticar crimes: são os bandidos. Nos dias de hoje, muitas pessoas usam mais de uma máscara para alcançar seus objetivos, que, nem sempre, são coletivamente benéficos.
Descendo ainda mais para alcançarmos a realidade brasileira: todos sabemos que o uso de máscara salva vidas, a questão é se queremos acreditar ou não – e isto tem a ver com a sobreposição de sentimentos, como raiva e frustração, à razão. Sinal de que a propaganda fascista do governo federal mexeu com o emocional de muita gente, que não percebe que a liberdade individual depende da responsabilidade coletiva. Por que somente com a queda da popularidade e o aumento dos mortos pela “gripezinha”, o Capitão Cloroquina resolveu aparecer de máscara em raros instantes? A preocupação com a saúde é tão grande, que ele usa duas máscaras: de vez em quando, uma para fingir que combate a COVID-19; a de sempre, serve para engabelar a sua claque, posando de líder, de algoz da corrupção (menos a familiar), de defensor da Pátria Amada (será mesmo?). Qual será o verdadeiro rosto por trás destas máscaras?
O fim da Democracia. É verdade. Por inúmeras vezes, ficou latente a face autoritária do atual governo, que não aceita que o diálogo social, o respeito à diversidade e aos direitos, a educação universal e livre, assim como o combate à desigualdade, sejam condições básicas para o fortalecimento da Democracia. Cabe lembrar que a Democracia não floresce em um terreno devastado pela corrupção, pelo autoritarismo e pela construção de uma realidade paralela, para potencializar a frustração de parte dos grupos sociais, que passam a falarde liberdade, mas reverenciam o autoritarismo em curso.
Algumas das incontáveis contradições do atual desgoverno devem ser apontadas e combatidas, para que não se concretize, de vez, o retrocesso aos tempos da ditadura. Como ficam a soberania nacional e a segurança energética, com a proposta de privatização da Eletrobras? Como fica o Sistema Único de Saúde (SUS), se o negacionismo continuar a impedir que o Estado tenha uma política pública eficiente e valorizada? Como fica a população desempregada e os trabalhadores informais, com a permanente retirada de direitos e ataques aos sindicatos? Como fica a economia, sem a reforma tributária? Como fica a governabilidade do país, sem a reforma política? Como ficam os direitos humanos, se a Justiça continuar a ser seletiva? Como acabar com a fome e os preços altos dos alimentos, se o agronegócio prefere exportar?
Não adianta o capitão presidente usar a máscara de salvador da pátria, pois, diferentemente de Sassá Mutema (personagem da novela Salvador da Pátria), em Brasília planta-se e colhe-se outro tipo de laranja. Também não cola o discurso de que ele é um homem do povo, pois a falta de educação e o vocabulário escatológico não são sinônimos de simplicidade. Enquanto somos distraídos pela teatralização do governo, deixamos de atentar para algumas ações, descaradamente ditatoriais. Uma delas é o aparelhamento do Ministério da Educação, que ataca, diuturnamente, a reconhecida mundialmente proposta educativa de Paulo Freire.
Para se ter uma noção do patrulhamento ultraconservador, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação do Ministério da Educação responsável pela expansão de cursos de mestrados e doutorados, agora controla e vigia as pesquisas e atividades que divulgariam conhecimentos que diferem do conservadorismo cristão. Imaginem o impacto nas gerações futuras e na radicalização dos preconceitos. No tocante à Justiça, que sempre se coloca como legítima guardiã dos princípios constitucionais, é extremamente grave um acórdão (decisão) da Sexta Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que reverteu a condenação da União a pagar indenização por danos morais a um homem preso pela ditadura militar, por considerar que ele sabia dos riscos de se posicionar contra o regime.
Os termos usados no referido acórdão dão a dimensão da implantação de um sistema de controle social e de limitação à liberdade, ora em curso, ao classificar o trabalhador, que fora preso dentro da fábrica Volkswagen em 1972, como “líder de movimento esquerdista”, e que seus atos tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil. O trabalhador Antonio Torini ficou detido por 49 dias no DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social), por fazer parte do Movimento pela Emancipação do Proletariado e teve seu nome incluído na lista suja elaborada por empresas e enviada ao governo.
Torini morreu em 1998, sem nunca mais ter conseguido um emprego formal. Por que será que, em 2021, um Tribunal Regional Federal invoca leis do tempo da repressão política? Não seria mais lógico e justo que a Constituição Federal de 1998 fosse o fio ético e moral condutor da citada decisão? É preciso registrar que a própria União havia reconhecido a condição de anistia política de Antonio Torini, o que foi completamente ignorado pelos membros da Sexta Turma. Está em curso uma onda de violações de convenções de direitos humanos, inclusive ratificadas pelo Brasil. O Poder Judiciário não pode referendar atos praticados sob o regime militar, pois desde sempre, como nos ensina a filósofa alemã Hannah Arendt, “a Política baseia-se na pluralidade dos homens”, e que “o sentido da Política é a liberdade”.
Liberdade pressupõe Democracia; nela, não cabem pseudo-líderes e nem governos que insistem em usar diferentes máscaras para encobrir seus reais objetivos e credos. Desmascarar o autoritarismo e a propaganda fascista que se aproveita da frustração social para disseminar o ódio e o preconceito, promovendo o ultrarradicalismo de direita, é dever de todos que estão comprometidos com a Liberdade e com a Democracia.

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