Quando o fanatismo contamina a política, o risco de retrocesso da Democracia é iminente. E não é este ou aquele fanatismo ideológico, religioso, machista, armamentista: todos são perigosos. A prioridade de qualquer agente público é o bem-estar da população e o desenvolvimento do país, e jamais seus interesses.
O Brasil atravessa um momento de grande retrocesso dos valores democráticos e dos direitos básicos dos indivíduos. Na economia, a redução da renda proveniente do trabalho, o desemprego, a precarização e a informalidade têm relação direita com o sistema neoliberal: apenas mais uma faceta do capitalismo selvagem, que não tem o menor remorso em cortar ganhos, benefícios e conquistas dos trabalhadores. Tudo em nome do lucro.
Já no campo dos direitos humanos, o retrocesso brasileiro se dá muito em função do fanatismo religioso acima citado. As pessoas não são obrigadas a acreditar nisso ou naquilo, não são obrigadas a pensar igual a outra pessoa e são livres para tomar suas decisões. Mas, ninguém possui o direito de enganar, desinformar e discriminar ninguém – ainda mais quando ocupante de cargo eletivo. Quem governa, ou legisla, deve fazê-lo para todos.
Um ministério a serviço do fanatismo
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 define os direitos básicos do ser humano. Em seus artigos, explicita o direito à segurança social e o direito ao trabalho; também estabelece que toda pessoa tem direito a um padrão de vida que assegure saúde e bem-estar para ela e para sua família.
No plano nacional, a Constituição Federal garante o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, ao trabalho; afirma que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, e também define obrigações do Estado, como, por exemplo, erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade social, dentre outras.
Apesar de todo este arcabouço legal que busca garantir os direitos das pessoas, o Brasil está retrocedendo no campo dos direitos humanos, devido a um governo que se diz conservador, mas, na verdade, é oportunista, reacionário e retrógado, incapaz de entender o momento atual da evolução da sociedade, criando uma realidade paralela para mascarar sua incompetência e seus desvios de conduta.
A liberdade política também é um direito: as pessoas apoiam e votam conforme suas escolhas, mas o acesso à informação também é um direito constitucional. Entretanto, levados por um fanatismo nocivo à Democracia, muitos ocupantes de altos cargos no governo atual, principalmente ministros, se dão ao trabalho de distorcer, ou mesmo, ignorar leis, convenções e até a Constituição Federal.
Quais mulheres? Quais famílias? Quais direitos humanos?
Passada a euforia inicial de ser nomeada ministra, de compartilhar que viu Jesus na goiabeira e de afirmar que a religião chegou ao poder, era de se esperar que a responsável (?) por um ministério tão importante observasse e defendesse a aplicação de leis, criasse políticas públicas assertivas e includentes, devidamente fortalecidas pela observação de valores cristãos. Porém, isso não aconteceu até hoje.
A violência contra a mulher tem lugar cativo nos noticiários policiais. Até quando a sociedade vai tolerar o feminicídio? É inaceitável que um filho “bananinha” do capitão presidente demonstre seu machismo, ao associar o acidente ocorrido em uma obra do metrô de São Paulo, com a participação de mulheres no canteiro de obras. Qual a posição da ministra? Afinal, feminicídio e discriminação são crimes.
O Brasil, que outrora foi acolhedor e se orgulhava de ser um país altamente cosmopolita e acolhedor, hoje vive uma onda de preconceitos, estimulada por lives e discursos de supremacistas que apoiam a violência. Ecoa forte a revolta por causa da barbárie cometida contra um jovem negro congolês, morador do Rio de Janeiro, que teve negado o direito a receber pelo seu trabalho (informal). Morto a pauladas, Moïse Kabagambe foi discriminado por ser negro, por pessoas desumanas que não respeitam o direito à vida. Qual a posição da ministra? Afinal, preconceito e assassinato são crimes.
Ao criar um canal para que os negacionistas da vacina denunciem que estão sendo “discriminados”, alegando desrespeito a um direito humano, fica clara a submissão da ministra ao seu comandante e a sua ambição política para ocupar um cargo eletivo. Por que o seu ministério não atuou a favor da conscientização da importância da vacina contra a COVID-19? Será que a ministra se vacinou e mente para o povo sobre riscos de ser vacinado, como outros colegas de governo já fizeram? Se as pessoas têm direito à vida e à saúde, qual a posição da ministra?
O que está por trás do posicionamento da ministra sobre o aborto? Em uma Democracia, as pessoas podem ter diferentes opiniões e posicionamentos sobre qualquer tema, desde que isso não prejudique ninguém.
Por que a ministra tentou, de todas as formas, impedir a interrupção de uma gravidez indesejada por uma menina de 10 anos, estuprada por um parente no Espírito Santo? Defender a vida vai muito além de proibir o aborto.
Enquanto centenas de cidades foram afetadas pelas chuvas e muitas famílias viram ir por água abaixo seus entes queridos e seus pertences, a Ministra corria para uma cidade do interior de São Paulo, na ânsia de vincular à vacina os problemas cardíacos de uma garotinha de 11 anos, recém-imunizada. Será que ela não podia ir até a cidade de Barretos, no interior do mesmo Estado, para se posicionar sobre as mortes por envenenamento de três moradores de rua? Esse fanatismo negacionista demonstra o descaso público – e que somente algumas famílias e algumas mulheres recebem atenção da ministra.