Os fatos não podem ser negados por nenhum de nós, mas todos podemos mudar a perspectiva sob a qual analisamos estes fatos, suas causas e consequências. O inaceitável e indigesto registro de 28 mortes na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, é mais uma prova de que o Estado brasileiro não cuida da vida de seus cidadãos, principalmente os mais pobres; é, também, mais um testemunho de que a nossa sociedade está doente. Combate ao crime organizado e pena de morte são coisas diferentes.
Com relação à nossa doentia sociedade, são vários os sintomas que são constantemente ignorados por aqueles que têm maior possibilidade e poder para mudar esta triste realidade; entretanto, está claro que não há interesse nesta mudança.
O individualismo é pregado como algo natural e benéfico pela lógica acumuladora do capitalismo selvagem – o que desemboca em um rodamoinho de irresponsabilidade e insensibilidade com o coletivo e com a convivência pacífica entre os diferentes – campo fértil para o egoísmo, que, nada mais é, do que um estopim da violência.
Nossos valores morais e éticos são cada vez mais esquecidos, desde os idos de Rui Barbosa. “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”, escreveu o polímata.
Os bons valores são intencionalmente substituídos pela competitividade injusta e pela meritocracia discriminadora, criando barreiras quase intransponíveis, (in) justificadas pelo determinismo e pelo darwinismo social (em que somente os mais fortes sobrevivem e evoluem). Campo fértil para o materialismo consumista e para a corrupção.
O Estado brasileiro não é justo, nem igual para todos; a Justiça, assim como a saúde e a educação, é diferente para pretos e brancos; pobreza virou sinônimo de falta de fé e de preguiça e a cor da pele é sinônimo de inferioridade.
Quando o assunto é segurança pública, a situação fica ainda pior: Estado omisso e sociedade doente formam um campo fértil para a morte nas comunidades. Discriminar é negar a Democracia e os Direitos Humanos.
A atuação da maioria da classe política é reflexo dos valores predominantes na sociedade, onde o bem comum e a responsabilidade social são menos importantes do que o poder e a riqueza, não importando como são conseguidos.
O que dizer de um deputado federal que publica em uma de suas redes sociais a mensagem “Que alegria essa notícia”, referindo-se ao ocorrido no Jacarezinho, e, em seguida apaga a mensagem? É lógico que existem leis. Elas devem ser respeitadas e os infratores punidos – mas, primeiro, devemos identificar o porquê de existirem estas leis, quem as elaborou e o motivo que tem aumentado a violência e a criminalidade – além de analisarmos os resultados alcançados por estas leis e intervenções.
No mínimo, é contraditório que um deputado federal participe de frentes parlamentares que são opositoras umas as outras. É possível contribuir, de forma positiva, com a Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial e com a Frente Parlamentar Armamentista?
É preciso mudar esta “lógica” política: participar de inúmeras comissões não significa ser produtivo e nem útil ao país.
Antes de se emitir juízo de valor sobre a intervenção do crime organizado em TODOS os extratos sociais, é preciso definir que tipo de sociedade quer o brasileiro; o que fazer para construí-la?
Quais os parâmetros de atuação do Estado? É preciso uma grande coesão social para mudar o Brasil para melhor; populismo enganador e guerras políticas desnecessárias não enchem barriga, não geram empregos, tampouco evitam mortes. Estado omisso e ausente é tudo o que o crime organizado precisa, inclusive o do colarinho banco.
“Temos vacina e saúde pública de qualidade para todos”;
“Temos empregos de qualidade para todos”;
“Temos escolas para todos”;
“Temos igualdade de oportunidades”;
“Temos nossos direitos respeitados”;
“Acabaram as balas perdidas”;
“Os políticos trabalham de forma honesta para o bem do povo”.
Estas são as notícias que, realmente, nos dariam alegria e nos encheriam de esperança com o nosso país.