O que é ideologia e a quem ela interessa?

“Ninguém é mais escravo do que aquele que se considera livre sem o ser”. Goethe

Sempre que duas correntes de pensamento se confrontam, aparece a alegação de que trata-se de um discurso ideológico, que, portanto, não deveria ser considerado, mas duramente combatido. Essa é a postura adotada, principalmente, por aqueles que se beneficiam do arranjo social em que vivemos, defendendo ferozmente a sua continuidade.

A maioria da população não recebe informações em quantidade e qualidade confiáveis, para que possa emitir uma opinião crítica bem fundamentada sobre o que está por trás dessa “disputa ideológica”, e, muito menos, tem autonomia, no sentido de capacidade analítica e racional de pensar sobre a realidade social da qual faz parte. Por que isso acontece?

Ideologia

No início do século XIX, surgiram dois “conceitos” de ideologia. O primeiro deles foi cunhado por Destutt de Tracy, uma visão clássica de um pensador adepto da corrente materialista, que atribuía as ideias e as ações humanas às causas naturais e materiais, defendia o conhecimento científico e se opunha à educação religiosa. É preciso lembrar que, naquele período histórico, a influência da Igreja ainda era muito grande, e que, muito do que acontecia, tinha a ver com decisões de um suposto plano divino.

Para ele, as ideias seriam apreendidas das relações com o mundo físico e a moral era forjada a partir das necessidades dos indivíduos, assim como seria possível, cientificamente, conhecer e controlar os desejos humanos. O pensar do homem era condicionado pelos fatos ao seu redor. Esse conceito, então, ficou conhecido como Ideologia Neutra.

Diferentemente dessa definição de ideologia, no mesmo período histórico de de Tracy, Karl Marx se posicionou de forma contrária aos ideólogos alemães, atribuindo à ideologia um caráter negativo, que, ao seu ver, era a separação proposital entre a realidade e as ideias aceitas e compartilhadas pelos indivíduos desta realidade. Tal separação foi promovida por uma classe burguesa, que se perpetuou até os dias de hoje, como dona dos meios de produção, para que os trabalhadores não apreendessem claramente a realidade por eles vivida, evitando que os mesmos compreendessem seu papel social e se rebelassem contra a exploração a que eram submetidos. Esse conceito é conhecido como Ideologia Crítica.

Estratégias da ideologia dominante

Dizem que o maior truque do diabo é fazer com que as pessoas acreditem que ele não existe. Quando se fala de ideologia, o comportamento da classe dominante é bem parecido. Ao escutarmos a palavra ideologia, pode ser que, em nossa mente, venha a ideia do comunismo, de pessoas revoltadas, de revolucionários que estão contra o Brasil etc. Em geral, todo esse jogo de linguagem tem um objetivo maior: manter a estrutura social atual e o seu funcionamento, de forma pacífica.

Para exemplificar, vamos falar da ideologia capitalista e o mundo do trabalho. A Revolução Industrial mudou a forma de organizar a produção, por causa da substituição da força física dos trabalhadores, pela força física das máquinas. Saímos da era industrial e chegamos à era da informação, do conhecimento e das novas tecnologias, mas a estrutura social é imposta pela separação, que colocou, de um lado, os donos dos meios de produção, e do outro lado, os trabalhadores.

Ao ser obrigado a vender sua força de trabalho, o operário deixa de enxergar a economia e a produção como um todo, desconectando-se da realidade de que seus salários não pagam todo o seu trabalho, pois uma parte fica com os patrões. Essa é a forma de o capitalismo acumular a riqueza, e, hoje em dia, a ideologia neoliberal produz mais ricos do que riquezas.

Como fazer para que essa massa de explorados não se revolte, não tente mudar a estrutura social existente, não lute pelos seus direitos e por uma vida mais justa e melhor? A resposta é a formulação de uma ideologia, por parte da classe dominante, que impeça os indivíduos de serem livres para pensar e analisar, criticamente, a sociedade em que vivem.

Ideologia é o conjunto de ideias, elaborado de forma lógica e planejada, pela classe dominante, para que seus interesses sejam sempre preservados. O primeiro truque é fazer que as pessoas acreditem que a luta de classes se resume às greves, aos protestos das mulheres, dos negros e das minorias. No entanto, é sabido que a luta de classes vai muito além disso. Na realidade, trata-se da luta entre a classe dominante e a classe dos dominados.

Ideologia tem a ver com o poder e com a dominação que uma minoria exerce sobre a maioria da população de uma nação. O maior medo da classe dominante não é a fome, a pobreza ou a violência: seu maior medo é que o povo aprenda a pensar e passe a enxergar a realidade social como ela é, dividida entre cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda classe, cidadãos especialistas e competentes e cidadãos ignorantes e incapazes, cidadãos dominantes e cidadãos submissos.

A ideologia da classe dominante se fortalece através de mecanismos de alienação e desinformação, que abrangem desde a educação, passando pela grande mídia, pelas leis e pelas formas de trabalho, impondo, de forma sutil, o que devemos pensar e como pensar, o que devemos fazer e como fazer, o que devemos sentir e como sentir.

A naturalização das diferenças sociais, somada com a ideia de que somos livres, com a aceitação da meritocracia como fator determinante das oportunidades de obter sucesso, com a cultura do empreendedorismo (“seja o seu próprio patrão”), são algumas formas de manipular a opinião pública e o pensamento social.

A ideologia da classe dominante também tem o objetivo de fazer com que as pessoas acreditem que as divisões sociais existem por causa de alguns indivíduos, como o mau patrão, o mau trabalhador e as pessoas injustas, e que é o mau comportamento dos indivíduos que prejudica a moral. Para ela, nunca o sistema está errado; sempre são as pessoas que erram.

Quando a sociedade aceita a ideologia da classe dominante, ela acredita que não é a economia neoliberal, baseada na exploração como forma de acumulação, a causa das desigualdades sociais; ela acredita que os salários são justos; que a culpa de ganhar pouco, é mais do operário, do que do patrão.

A ideologia da classe dominante começa a ser imposta de forma sutil já nas escolas, educando as crianças para o trabalho, e não para a vida; pregando o individualismo monitorado, como se fosse a liberdade plena. Os direitos viram serviços: por exemplo, o direito à educação torna-se “serviços de educação”, que podem ser adquiridos pelas pessoas. O mesmo ocorre com a saúde, com o transporte público, entre outros.

As empresas prometem um futuro melhor, desde que o trabalhador sujeite-se a fazer tudo o que o patrão manda e não reivindique os seus direitos, e, muito menos, fortaleça os sindicatos. As empresas tomaram conta do Estado, o político e os nomeados por eles passaram de funcionários públicos para gestores públicos, e, como nas empresas, essa transformação de direitos em serviços é materializada e legitimada pelas privatizações, seja da energia elétrica, da água, da educação, do saneamento, da mineração, da aviação etc.

Nas próximas eleições, precisamos de muito bom senso, conhecimento, determinação e liberdade de pensamento, para distinguir os candidatos que defendem a ideologia da classe dominante, dos candidatos que acreditam na ideologia crítica e que propõem uma estrutura social que, realmente, seja boa para todas e todos.

Não deixe-se levar pela polarização e pela luta do “bem contra o mal”. Apoie quem quer um Brasil melhor e se disponha a ir além dos discursos de campanha!

 

 

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