É verdade que cada doença precisa do remédio adequado, que é preciso estarmos atentos às novas demandas sociais, além de buscar a satisfação daquelas que ainda não foram atendidas. Neste contexto de continuada mutação, surge a figura retórica do discurso populista, sempre ajustado ao que o povo quer ouvir. A fronteira entre o populismo e o fascismo é muito tênue. Trabalhar com as frustrações das pessoas, em vez de alertá-las para a importância do pensamento crítico, baseado no respeito à diversidade, no conhecimento e nas experiências vividas, é uma forma de simplificar e negligenciar a transformação da perversa realidade na qual está mergulhada a sociedade.
Segundo Jason Stanley, “um princípio central da política fascista é que o objetivo da oratória não deve ser convencer o intelecto, mas influenciar a vontade”. Nem sempre, usar um linguajar mais comum à comunicação popular, significa ter comprometimento com a melhoria do padrão de vida dos “mais simples”. Esta prática é muito utilizada pela classe política, principalmente por aqueles que se posicionam a favor de um conservadorismo autoritário e por aqueles que almejam o poder a qualquer custo. Jamais uma campanha política apontaria defeitos ou limitações de algum candidato – todos são competentes e juram trabalhar pelo povo. Na segunda semana deste mês de março, o Congresso Nacional aprovou a PEC Emergencial, que, segundo o governo, era essencial para a política de auxílio emergencial fosse retomada. Mais um exemplo da adequação do discurso às circunstâncias.
É preciso lembrar que a referida PEC (Proposta de Emenda Constitucional) vem sendo defendida pelo Ministro Paulo Guedes desde 2019, buscando justificar a necessidade de realizar ajustes fiscais (leia-se: redução de gastos públicos), através do corte de investimentos em políticas sociais. Usar a paralisação da economia, que já dava sinais de queda e de falta planejamento mesmo antes da pandemia, aproveitar a crise sanitária, as mais de 278 mil mortes e o medo da maioria da população em relação à COVID-19, para aprovar a mal-intencionada PEC Emergencial, é falta de caráter cívico e de responsabilidade constitucional, mostrando, ainda, o desprezo pela realidade dos desassistidos pelos governantes.
A chantagem governamental foi descarada. O favorecimento do projeto neoliberal, do arrocho fiscal e do fortalecimento do mercado, continua a nortear as erráticas propostas de um governo sem rumo e de um Congresso quase que totalmente submisso aos ditames capitalistas mais radicais. Não existe relação direta entre a PEC aprovada e a retomada do auxílio emergencial. Podemos citar que o governo do Piauí está prestes a pagar um auxílio de R$1.000,00 para os trabalhadores do setor de bares e restaurantes, além de renegociar ICMS, IPVA e postergação do pagamento do Simples Nacional, sem nenhum tipo de manobra da opinião pública.
Mais uma vez, o DNA fascista desqualifica o debate sobre as prioridades do povo e do país, entorpecendo a incipiente consciência coletiva e abusando da desinformação para colocar a população no paredão (de fuzilamento, e não do BBB), ao deixar claro que, para acabar com a fome, o povo vai ter que abrir mão de políticas públicas e direitos sociais. Por exemplo, ao cortar as verbas do SUS e tantas outras, abre-se caminho para a comercialização de vacinas pela iniciativa privada, em um futuro bem próximo. Não é a primeira vez que o governo desinforma para passar a boiada. A queda da popularidade provocada pelo imparável crescimento do número de mortos, pela falta de vacinas, de leitos, de oxigênio, de apoio aos profissionais da saúde, de politica para a área da saúde, além da obsessão pela reeleição de 2022 e a incontestável incapacidade de governar do negacionista expurgado da caserna, são os reais motivos da adequação do discurso presidencial às circunstâncias atuais.
Não se esqueçam da fábula do escorpião e do sapo – após atravessar o rio nas costas do sapo, o escorpião usou seu ferrão para matá-lo, alegando que esta é a sua natureza. Aqueles que ajudaram o escorpião a atravessar o rio da velha política e da corrupção, estão correndo sérios riscos de serem picados pelo DNA autoritário e fascista.