Toda e qualquer análise conjuntural, ampla ou pontual, política, social ou econômica, deve ser precedida de um nível mínimo, e mais homogêneo possível, de informações confiáveis, transparentes, reais e desprovidas de objetivos e interesses de segmentos sociais, nem sempre republicanos. Em consonância com o parágrafo anterior, se faz necessário compreender o significado de “anacronismo”, que consiste, basicamente, em utilizar conceitos e ideias que já não vigoram nos tempos atuais. Portanto, incorremos em erro crasso, quando analisamos e emitimos opiniões sobre fatos atuais, a partir de conceitos já ultrapassados. Como exemplo, é possível citar a dificuldade de compreendermos como a Igreja tinha tanto poder na Idade Média; ocorre que, os atuais conceitos de poder e religião, diferem daqueles vigentes à época referida.
No mundo conectado dos dias de hoje, com avanços significativos no acesso à informação e na defesa dos direitos básicos de segmentos sociais ainda não claramente reconhecidos em tempos passados, é preocupante que ainda encontremos posicionamentos e vozes que, travestidos de conservadores, lancem mão da violência, da mentira, do espírito beligerante e de preconceitos, satisfazendo o egocentrismo e amiopia social de seus emissores. O Brasil passa por um perigoso momento anacrônico, principalmente no campo da política. O desgoverno no poder tem se mostrado incapaz de conduzir um país, e, de forma autoritária, prega o retorno aos tempos obscuros da repressão militar. É lógico que, na Democracia, existe espaço para opiniões mais conservadoras e mais progressistas – no entanto, em pleno século XXI, é difícil crer que o povo fique à mercê de qualquer forma de autoritarismo.
Para esclarecer de vez a preocupação com o anacronismo político de membros de Poderes Públicos (Executivo, Judiciário e Legislativo) e de parte significativa da caserna, este anacronismo tem como sinônimos: obsoleto, conservador, reacionário, regressista, superado e desatualizado, dentre outros. O mais recente e triste fato comprovador deste anacronismo, é o resgate antidemocrático da Lei de Segurança Nacional, para silenciar vozes discordantes das ações levadas a cabo por aqueles que, justamente, deveriam cerrar fileiras a favor da liberdade. O pior é que, em busca de justificativas legais para seus atos antidemocráticos, muitos protagonistas da conjuntura da política nacional, distorcem a própria redação da Constituição Federal. Apesar de já terem se passado algumas décadas desde o fim da repressão militar, até hoje, o Brasil ainda convive com esta herança cerceadora de liberdades e direitos, chamada Lei de Segurança Nacional (LSN). Hoje, os tempos são outros, e as ações extremistas não são apoiadas pela maioria da sociedade. Esta lei, de 1983, já deveria ter sido substituída por uma lei que realmente defenda o Estado de Direito. Isto leva, inclusive, a que o próprio Supremo Tribunal Federal invoque esta ultrapassada lei para prender um parlamentar, mesmo que ele defenda o AI-5 comprovadamente, dentre outras medidas autoritárias. Não podemos combater o autoritarismo com mais autoritarismo; urge um novo marco legal, atual e democrático.
Não é admissível que o Ministro da Defesa abrigue-se na trincheira do retrocesso democrático, ao usar a LSN para criticar um Ministro do STF, sem nenhum juízo de valor quanto à manifestação do citado ministro. Não existe espaço para pressionar, de forma ditatorial, os divergentes em um Estado Democrático de Direito. Sinalizando com ainda mais veemência o retrocesso democrático em curso, a Procuradoria Geral da República, sob o pretexto da liberdade, também se socorre da LSN, para justificar a abertura de inquérito para apurar atos antidemocráticos. Não se pode punir atos de desrespeito à Constituição Federal, indo contra a própria Constituição.
Em tempos tão conturbados, não podemos aceitar o oportunismo político e autoritário que amplia, de forma irresponsável, a participação de militares, inclusive da ativa, em cargos estratégicos do governo federal, aceitando ou premeditando a confusão de papéis dos militares e dos civis, em detrimento do necessário equilíbrio entre os poderes civil e militar. Os assuntos civis e militares devem ser complementares e ambos devem estar subordinados aos interesses nacionais. O controle da sociedade civil sobre o Estado diminui, na proporção que aumenta o envolvimento dos militares na política institucional, classista e constitucional.
Estranhamente, tanto a caserna, como o STF, não se comprometem efetivamente com a Democracia, no tocante à retirada do arcabouço legal da ultrapassada LSN, substituindo-a por uma lei atual que garanta a ordem social e a segurança nacional, sem cometer excessos repressores das liberdades individuais. O Brasil está caminhando a passos largos para uma convulsão social. Caso se mantenha o descaso governamental com a pandemia, o desprezo pelo diálogo social e a paralisia da economia, chegaremos ao fim. Hoje, o país precisa de ações concretas, e não de confrontos políticos com fins eleitorais – muito menos, de narrativas vazias, apresentadas como defesa das liberdades individuais, mas totalmente desprovidas de conteúdos democráticos e senso de responsabilidade republicana.
Governos corruptos, barganhas políticas feitas na penumbra da malversação do dinheiro público, desigualdades sociais gritantes e sede pelo poder desenfreado, se constituem em fértil terreno para discursos e ações que podem condenar o Brasil ao retorno à época da repressão militar. O poder militar, quando não é corretamente exercido e defendido, além de minar o poder civil, ainda contribui para que grupos se arvorem do poder político, para atender aos interesses de elites avessas à melhoria do padrão de vida dos segmentos sociais mais desassistidos e as críticas feitas por atores sociais com capacidade de análise crítica e conhecimentos democraticamente acumulados e construídos para romper com as barreiras autoritárias do passado e fortalecer as instituições democráticas e dar voz ao povo, sem populismos fascistas. É dever das lideranças progressistas, deixar suas diferenças de lado e mobilizar a sociedade, em defesa dos princípios da Democracia e em repúdio ao anacronismo conivente da caserna e da Justiça, com as propostas beligerantes daquele que desrespeitou o próprio Exército, que não honrou seus mandados legislativos com projetos de interesse do povo e que ainda se coloca acima do Brasil e acima de todos. Até agora, parece que o capitão presidente não entendeu o que significa estar à frente de um Estado Democrático de Direito. Repetidamente, ele tenta impor sua tacanha visão política, se comportando como o rei francês Luís XIV, que acreditava ser ele o Estado.
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