É improvável encontrarmos alguém que nunca se rebelou contra alguém ou alguma coisa durante a sua juventude. Independente de costumes, culturas e condições socioeconômicas, a rebeldia, em maior ou menor grau, faz parte do processo de construção da personalidade de cada indivíduo.
Em épocas passadas, os jovens com sete anos já trabalhavam em fábricas (hoje, o trabalho infantil é crime). Com 14 anos, já estavam aptos a casar (muita responsabilidade para pouca maturidade). Estes são dois exemplos da influência do contexto social sobre o comportamento humano e os valores aceitos e praticados por uma determinada sociedade.
Rico ou pobre, negro ou branco, com ou sem escolaridade, de família estruturada ou não, o jovem sempre teve e continua a ter seus momentos de rebeldia. No início dos anos 1900, era comum que os jovens se recusassem a trabalhar e seguir os passos de seus pais. Nascia assim o conceito de delinquente juvenil – também a sociologia, a psicologia e outras ciências desenvolveram inúmeros estudos sobre o comportamento dos jovens.
A realidade é que a juventude tem como característica basilar a negação da autoridade. Tal negação está presente nas famílias (conflito de gerações) e nas escolas (relações conflitantes entre professores e alunos). Também é comum que o jovem negue o adulto (“tiozão”, careta, velho, ultrapassado etc.). O mundo do trabalho e suas regras impostas pela busca do lucro acaba reproduzindo um ambiente propício a contestações por parte das entidades sindicais, representantes legais dos interesses dos trabalhadores. Mas por que os jovens também são arredios à participação maciça nos sindicatos?
A resposta a esta complexa questão não é tão simples: a história mostra que a juventude está sempre em transição, e que o contexto sociopolítico, econômico e cultural interfere nas escolhas e comportamentos dos jovens. Podemos citar como exemplos a juventude nazista, e, nos anos 1960, os jovens brasileiros identificados com a proposta integralista, também conhecida como um fascismo brasileiro.
A eterna dinâmica da formação da identidade da juventude é decorrente das mudanças que ocorrem na sociedade, que acabam “direcionando” a formação da identidade dos jovens. A sociedade vive em um movimento pendular, entre a esquerda e a direita, muito em função do grau de insatisfação dos indivíduos com seus governos – insatisfação essa que se renova e aumenta, em função das seguidas crises do sistema capitalista, das limitações da social-democracia e da democracia liberal, em colocar fim às desigualdades sociais e às injustiças de uma sociedade manipulada pela grande mídia corporativa e hipnotizada pelo ideário neoliberal de liberdade individual, da meritocracia e do endeusamento do livre mercado.
Marx e Engels escreveram que as ideias das elites dominantes são as ideias que acabam por moldar o comportamento e o pensamento dos jovens. A questão é que a rebeldia dos jovens, se não for monitorada e controlada, pode tornar-se uma ameaça ao status quo construído, defendido e mantido pelos mentores, a serviço da elite dominante.
De forma muito esperta e rápida, a direita conseguiu capitalizar para si a rebeldia e o descontentamento da juventude com as regras e a autoridade instalada pelo regime político em vigor, ocupando um espaço que a esquerda não soube utilizar, mesmo com a maioria dos jovens dependendo de empregos e de salários para sobreviver. O apelo conservador cooptou a rebeldia dos jovens, em detrimento da consciência política reformista ou revolucionária propostas pela esquerda.
Essa disputa pela energia da juventude rebelde, momentaneamente vencida pela direita, foi de vital conveniência para apagar a imagem da direita envergonhada pelos seus próprios erros – pela ditadura, pela concentração de renda e pela discriminação racial e social – marcas indeléveis de uma elite egoísta e indiferente aos seres humanos menos favorecidos.
A estratégia adotada foi a de a própria direita criticar o sistema, criado por ela mesma. Neste sentido, os partidos políticos, a justiça, as escolas e os sindicatos viraram alvos de ataques antidemocráticos, travestidos de críticas ao sistema em vigor, críticas estas premeditadamente pensadas, e, muitas vezes, ancoradas em mentiras, distorções e omissões de fatos disseminados pelas redes sociais.
Institutos liberais foram criados por partidos políticos de direita e por instituições conservadoras (dos seus próprios interesses), para aproximar os jovens dos dogmas liberais (novamente, temos conservadores falando de liberdades individuais, criticando o sistema, falando em mudanças, tudo para se manter no topo da pirâmide do poder). Livros foram escritos, memes aparecem todos os dias na internet, a história não conta mais. Até os jovens identificados com a esquerda reformista também se mostraram decepcionados com o governo Dilma, que, muitas vezes, se demonstrou conciliador, priorizando o país.
O resultado foi uma juventude, seja mais inclinada à esquerda ou à direita, decididamente crítica ao sistema em vigor. O exemplo mais claro foi o movimento pelo passe livre (MPL), que não foi devidamente compreendido pela esquerda, enquanto a direita se programou para sequestrar as ruas. Neste mesmo período, a OAB lançava uma campanha em que apareciam diversas frases, como, por exemplo: “cansei da corrupção”, “cansei de crianças nas ruas”, “cansei do poder paralelo dos traficantes”, “cansei da burocracia excessiva”, dentre outras: tudo emoldurando o sentimento por mudanças.
Neste contexto, algumas pessoas perceberam que o liberalismo (crítica ao sistema) seria mais facilmente aceito pelos jovens insatisfeitos, se fosse transmitido através de mensagens e vídeos com humor. Estava construída a ponte entre os interesses da elite dominante, que queria um Estado mínimo e sem regras que dificultassem o seu lucro, e os jovens insatisfeitos com a falta de perspectiva de prolongarem sua juventude e com um futuro constituído por regras (regras são necessárias para o convívio social, desde que busquem o bem comum). Nascia, assim, uma juventude engajada na luta por mudanças, mas manipulada por aqueles que não querem mudar nada.
A cultura da antipolítica foi rapidamente acolhida por uma juventude ansiosa por mudanças e por uma parcela conservadora de cidadãos iludidos por discursos de “líderes” políticos e religiosos, que colocam toda a culpa das mazelas sociais na esquerda.
Neste contexto, o movimento sindical não deu a devida importância aos anseios dos jovens. Muitos dirigentes sindicais não abriram mão de seus cargos em prol de jovens e nem atualizaram sua comunicação para dialogar de forma mais próxima e efetiva com eles – inclusive, aqueles que não trabalham ou não são sindicalizados.
As igrejas abriram suas portas ao rap, surgiu o “rock cristão”, o punk criou um viés ultranacionalista e o presidente Lula foi eleito, pela primeira vez, com um vice que fazia sua oposição – não se trata de conversão ao conservadorismo, mas a esquerda precisa estar mais atenta à dinâmica social.
Quando não valorizamos a história, ocorre uma perda de memória na sociedade, abrindo, assim, um enorme espaço para o conservadorismo e sua falácia liberal, inclusive no mundo do trabalho, onde os jovens demonizam os sindicatos e acreditam que as empresas concedem, por liberalidade, todos os benefícios para os trabalhadores.
A rebeldia sindical contra a exploração da classe trabalhadora, contra a concentração de renda e contra as injustiças sociais deve se colocar lado a lado com a rebeldia da juventude, mesmo que isso signifique rever algumas posições antiquadas de antiquados dirigentes sindicais.
Eduardo Annunciato – Chicão
Presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente – FENATEMA e do Sindicato dos Eletricitários do Estado de São Paulo – STIEESP
Vice-presidente da Força Sindical
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