Damares é criminosa ou está doente?

O Iluminismo foi um movimento ocorrido nos séculos XVII e XVIII, que se
opunha ao Absolutismo, que dominava a Europa naquela época e pregava que
o rei tinha o poder absoluto. Sua palavra era a lei, independentemente de ser
verdadeira ou mentirosa. Era crescente a insatisfação da classe mais pobre,
que pagava pesados impostos para manter a vida luxuosa dos reis.

A ideia de jogar luz sobre os obscuros valores e conceitos emanados do poder
real, premeditadamente alinhado à igreja, era baseada no uso da razão e no
avanço da ciência. Ignorando as crenças religiosas que se opunham às
evidências científicas, o movimento Iluminista foi o precursor de grandes
avanços da humanidade.

É importante notar que, já nestes séculos passados, a mentira, muito utilizada
pelos monarcas, era usada para a manutenção do poder e para a doutrinação
dos súditos dos reis.

Falando em mentira, os dicionários a definem como a emissão de algo
comprovadamente oposto à verdade. Mesmo que o seu emissor (o mentiroso)
tenha conhecimento da verdade, ele opta por uma versão diferente.

A mentira ainda é utilizada por pessoas controladoras, que a empregam para
controlar situações e manter o poder, mesmo sabendo que a mentira é
prejudicial a todo o conjunto da sociedade, inclusive ao próprio mentiroso.
Quando o ato de mentir torna-se cotidiano e fora de controle por parte do
mentiroso, pode ser que esta pessoa sofra de uma patologia grave, chamada
mitomania – que a leva a acreditar que a sua mentira é uma verdade, mesmo
que ela não tire nenhum proveito do ato de mentir.

Estas informações iniciais são necessárias para facilitar a identificação dos
possíveis motivos que motivaram a ex-ministra Damares a fazer afirmações
estarrecedoras e de baixíssimo nível ético e moral dentro de uma igreja em
Goiânia. Os desnecessários, e talvez até fantasiosos detalhes sobre o
sequestro de meninas na Ilha de Marajó, a extração de seus dentes para não
prejudicar a prática de sexo oral e a prescrição de uma dieta pastosa que
favoreceria o sexo anal, deveriam, de imediato, ser proibidos pelos pastores,
pois um culto religioso não deve ser espaço para colocações desta baixeza.

Quais os reais motivos que levaram a recém-eleita senadora pelo Distrito
Federal externar, de forma chula, esses detalhes sórdidos de um possível
crime de pedofilia? O uso da palavra “possível” é necessário, pois, apesar da
gravidade do relatado, a senadora ainda não apresentou prova da
materialização do referido crime. O discurso proferido em um recinto religioso
viralizou nas redes sociais e chamou a atenção de organizações, que estão
tomando as devidas providências jurídicas para que provas sejam
apresentadas.

Quais os possíveis crimes que podem ter sido cometidos pela ex-ministra? Ao
afirmar que o presidente e ela, enquanto ministra, tentaram combater a
pedofilia, mas foram atacados pela mídia e impedidos pelo Congresso Nacional
e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – coincidentemente, três alvos de
ataques por parte do atual governo e de seus apoiadores.

Elementar, meu caro Watson: se o crime realmente ocorreu, diga-se de
passagem, que este é um crime que revolta e enoja a todos nós e deve ser
punido com o máximo rigor previsto em lei, e foi investigado pela então ministra
Damares e pelo presidente, que afirmou que o governo iria atrás dos
criminosos, por que não foram apresentadas provas, inclusive mostrando a
conduta errada do STF, da mídia e do Congresso Nacional?

Se o governo tinha conhecimento do crime e nada fez para a sua elucidação e
nem para prender os criminosos, a senadora Damares e os demais agentes
públicos que deveriam coibir a pedofilia cometeram o crime de prevaricação
(quando o agente público, político ou governante deixa de cumprir com suas
reponsabilidades).

Caso o discurso feito em uma igreja tenha fins puramente eleitoreiros, tendo
em vista a disputa em curso, Damares cometeu um crime eleitoral, que deverá
ser motivo de atuação do Tribunal Superior Eleitoral.

É preciso deixar bem claro que a referida senadora não possui imunidade
parlamentar. Apesar de eleita, ela ainda não foi diplomada como senadora e a
liberdade religiosa (maliciosamente casada com a liberdade de expressão) não
pode ser distorcida e nem usada para camuflar interesses nada republicanos.

O Brasil não pode naturalizar e nem aceitar comportamentos desta espécie.
Providências precisam ser tomadas – seja pelos líderes religiosos, seja pela
Justiça Eleitoral ou pela justiça comum. A conclusão é que, se houve crime, ele
não foi corretamente investigado e punido, o que leva à desconfiança da
competência do atual governo. Se o crime não ocorreu e fantasias foram
criadas para reforçar a crença de que vivemos numa guerra entre o bem e o
mal, discurso adotado pela candidatura da direita radical, surge a desconfiança
das reais intenções da ex-ministra. Por fim, podemos estar diante de um caso
de pessoa acometida de uma patologia grave, que precisa de rápida
investigação médica.

É triste conviver com a impunidade de pedófilos, com abusos infantis
hediondos e com a postura nada positiva de pastores que permitem o uso
indevido de seus templos, para que a intolerância política seja tratada de forma
natural. Pior ainda é deixar que a palavra divina seja substituída por discursos
políticos, que semeiam o ódio e a discriminação.

A democracia possibilita que opiniões e valores conservadores e radicais
existam e sejam expressos, desde que a sua propagação e a sua defesa não
comprometam a verdade, a Justiça e os direitos individuais e coletivos.
Infelizmente, qualquer pessoa pode concorrer a um cargo eletivo, mesmo com
a possibilidade de ter cometido algum tipo de crime – ou ser clinicamente
incapaz de falar em nome da sociedade brasileira.

Muito se fala de melhorar a política no Brasil, mas quando ocorrerá a
necessária reforma política?

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