Cidadania, liberdades individuais e direitos coletivos

A crescente onda de debates sobre a importância da cidadania, da defesa das liberdades individuais e a garantia dos direitos coletivos é mais um reflexo do interminável ciclo de crises do sistema capitalista, que ocorre em todos os continentes, em países com diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico.

Com a sobreposição do interesse econômico aos deveres sociais e políticos, as políticas sociais perderam muito espaço nas agendas dos Estados, que, com raríssimas exceções, estão capturados pela lógica neoliberal de redução do papel do Estado e dos gastos sociais – tudo em nome de um esforço coletivo para salvar a saúde financeira de bancos e de empresas. Esse é mais um momento em que o povo é chamado a contribuir para evitar o prejuízo dos ricos.

Na maioria das vezes, as notícias que são veiculadas pela grande mídia estão propositalmente alinhadas com o interesse da chamada elite dominante, criando na mente da população um entendimento distorcido sobre o significado da cidadania, das liberdades individuais e dos direitos coletivos. Qual a real motivação para a direita radical e extremista insistir na defesa das liberdades individuais? Essa posição afeta a cidadania? Por que os direitos coletivos são sistematicamente atacados e retirados?

Antes de qualquer coisa, é preciso ter uma ideia do que é cidadania. O exercício da cidadania já era difundido no mundo antigo, assim como sempre existiram barreiras para que todos os indivíduos pudessem viver como cidadãos plenos. Ao longo da história da humanidade, as desigualdades sociais sempre tiveram uma tendência de crescimento – situação agravada nos dias atuais, pela economia globalizada e pela prevalência da lógica neoliberal.

Uma diferença gritante entre os princípios da cidadania está na época de Atenas, quando Aristóteles já destacava que todos os cidadãos podiam e deviam intervir na vida política: ou seja, a cidadania era vista como uma participação política. Nos dias atuais, a cidadania cruza com a dificuldade de o povo participar de forma efetiva da vida pública, devido à queda da qualidade técnica e moral dos nossos políticos, que muitas vezes se aproveitam das limitações de um sistema político baseado na representatividade. Infelizmente, é comum os políticos ocuparem cargos eletivos para se beneficiarem do dinheiro público e elaborarem leis conforme seus interesses.

Para facilitar o entendimento da importância da cidadania, vamos falar de suas três dimensões e os problemas principais em cada uma delas. A primeira dimensão da cidadania é a civil, que diz respeito à liberdade individual, de expressão e de pensamento; aqui, é preciso deixar claro que a liberdade individual não pode ser usada para agredir, ofender ou prejudicar outra pessoa. É comum que extremistas de direita lancem fake news nas redes sociais, criando confusão, alimentando o ódio e a desinformação. Também é comum que esses radicais postem vídeos se desculpando (e até chorando) para não serem punidos pelos crimes cometidos.

As liberdades individuais devem ser defendidas sim, mas com responsabilidade. Porém, muitos líderes políticos, oportunistas religiosos e influenciadores das redes sociais, de forma canalha, valorizam essas liberdades apenas para destruir o sentimento de viver em uma sociedade plural, que respeita cada cidadão e ainda precisa de regras para garantir o melhor relacionamento social possível. Uma sociedade desinformada e sem solidariedade torna-se desumana, preconceituosa e violenta, virando refém de discursos radicais. 

A segunda dimensão da cidadania é a socioeconômica, que abrange os direitos ao bem-estar econômico e social. Isto significa que as pessoas precisam de fontes de renda e de políticas públicas que garantam um mínimo de qualidade de vida: ou seja, as pessoas precisam de empregos decentes, bons salários e proteção social, como acesso à saúde e à previdência. Estamos falando de responsabilidades do Estado, não de mercantilização de direitos básicos.

Se o trabalho é precarizado para aumentar os lucros das empresas, a aposentadoria está quase impossível de ser alcançada e a saúde pública é desmontada para ampliar a venda dos planos de saúde, então, não podemos falar que existe a dimensão socioeconômica da cidadania no Brasil.

A terceira dimensão da cidadania é a dimensão política. É no campo político que são formuladas as leis e tomadas as decisões que afetam a vida de todos os indivíduos: a reforma trabalhista, a reforma da previdência, as privatizações, os gastos sociais, o orçamento secreto, a redução de impostos para grandes empresas e fortunas, a qualidade da educação, a política habitacional e a segurança pública são exemplos da importância desta dimensão da cidadania. Em qual dos temas acima citados a população participou de forma efetiva no processo de tomada de decisões e de construção de políticas públicas sérias, inclusivas e transparentes?

A maioria dos partidos políticos não está comprometida com as necessidades do povo. Lembram-se dele somente para pedir os votos, mas depois viram as costas, e quanto menos falarmos de política e quanto menos espaços ocuparmos na vida pública, mais seremos prejudicados.

Finalizando, a cidadania, que é irmã gêmea da democracia, também está em risco. A grande questão sobre a qual devemos refletir é que não podemos falar em democracia, se essas três dimensões da cidadania não forem aplicadas sobre todos os indivíduos. Assim como a democracia, a cidadania tem que ser igual para todas e todos. Não podemos aceitar que a defesa das liberdades individuais seja usada para bancar a retirada de direitos coletivos e os ataques ao Estado de bem-estar social.

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