O título deste texto é uma afirmação que, num primeiro momento, pode soar como uma grande contradição. Como pode a liberdade ser um instrumento de dominação? Se pararmos para refletir um pouco sobre a nossa condição de indivíduos livres, verificaremos que, ultimamente, o conceito de liberdade vem sendo usado de forma incorreta e com intenções nada democráticas.
Ser livre não é poder fazer tudo o que queremos de forma inconsequente, mas sim ter o direito de escolher o melhor caminho a seguir, arcando com as consequências das nossas escolhas. Sem essa responsabilidade, a liberdade se transforma em vandalismo. Daí a necessidade das regras, que parametrizam um convívio social minimamente democrático.
A partir dessa simples definição, surge a necessidade da primeira parada para reflexão: quem são os responsáveis pela elaboração das regras e das leis que regem nosso dia a dia? Quais os reais interesses daqueles que falam de liberdade, mas se rendem ao autoritarismo, assim que chegam a algum tipo de poder – seja ele econômico, político ou de polícia?
Conceito utópico
Assim como a democracia permite que ela mesma seja criticada (caso contrário, não seria democrática), a liberdade nos dá o direito de fazer escolhas de forma autônoma, segundo nossos valores, nossas necessidades e nossas expectativas. Isso nos leva à segunda parada no processo de reflexão sobre esse direito. Será que, realmente, somos livres? Será que a maioria das pessoas parou para pensar se elas realmente têm a liberdade que dizem ter?
Por que será que nos pedem o CPF quando vamos a uma farmácia? Será que é preciso atualizar nosso cadastro, cada vez que compramos um remédio? Por que recebemos diariamente em nossos e-mails (aqueles que conseguem ter acesso à internet) inúmeras mensagens sobre produtos e serviços que nunca foram solicitados? Esses são dois simples fatos corriqueiros, que demonstram que vivemos uma era de erosão da privacidade.
Em um contexto de crescente vigilância via câmeras de segurança, controle dos nossos celulares e de inúmeras invasões de computadores por hackers e golpistas, das grandes corporações em conluio com a grande mídia, ditando o que devemos pensar e consumir, continuamos a cultuar a falsa sensação de que somos plenamente livres.
Isso sem contar que a política atual – em que a maioria dos políticos atua de forma rasa, interesseira e criminosa – lembra-se daqueles que mais dependem dela somente para apertar o botão das urnas eletrônicas. E isso não é liberdade política.
Os trabalhadores e a liberdade
Você é livre para pedir demissão de um emprego, mas você é totalmente livre para buscar outro trabalho? Ou, cada vez mais, tem que se sujeitar ao que o mercado determina?
Você é realmente livre para defender os seus direitos no fórum onde as regras do jogo são definidas? Qual a representatividade da bancada dos trabalhadores, de políticos comprometidos, ou, pelo menos, sensíveis à causa operária? Se compararmos com as bancadas do agronegócio, da indústria, da bala, dos evangélicos, sem contar as influências do sistema financeiro na cooptação do Poder Legislativo, temos uma primeira ideia de que não somos tão livres assim.
Esta diferença de poder, de influenciar e de promover a elaboração e aprovação de leis, ficou ainda maior em mundo cada vez mais globalizado, financeirizado e competitivo, que privilegia os interesses do capital, em detrimento das urgentes necessidades sociais – tudo devidamente coberto superficialmente, com um verniz democrático para dar a falsa impressão de total liberdade.
Após as desastrosas reformas, do ponto de vista de liberdade e de combate às desigualdades na Previdência e no trabalho, o governo federal promove mais um explícito ataque à classe trabalhadora e aos seus representantes legítimos (os sindicatos), através de um tendencioso relatório do GAET (Grupo de Altos Estudos do Trabalho). De forma indevida, o conceito de liberdade é usado para justificar e assegurar a continuidade da política de favorecimento explícito do capital, em detrimento dos direitos e conquistas dos trabalhadores.
Requentando o discurso da busca da modernidade produtiva e da diminuição da participação estatal na economia, o grupo acima citado, composto por juristas, economistas e especialistas no trabalho, de forma astuta e premeditada, abusa da inteligência dos trabalhadores, ao proclamar que a liberdade sindical é o caminho para fortalecer a negociação coletiva entre patrões e empregados, e que ela trará ganhos para os dois lados.
A lógica acumulativa do sistema capitalista torna-se ainda mais perversa para os trabalhadores, a partir de ideias como as ventiladas pelo GAET, que parecem defender a liberdade dos trabalhadores organizarem sua luta – mas, na verdade, atuam para enfraquecer ainda mais essa luta.
Rasgar de vez a CLT não é fortalecer a liberdade de negociação; implantar a fórceps a liberdade sindical não significa respeitar a vontade dos trabalhadores; atomizar, ainda mais, o movimento sindical, não gera mais emprego e renda, e separar os trabalhadores em formais, informais, terceirizados e prestadores de serviços via plataformas digitais (apps) não implica em maior liberdade.
Não podemos deixar de reconhecer que o movimento sindical possui limitações e falhas, que precisa ser mais assertivo e capaz de enfrentar os desafios do trabalho remoto, da representação dos trabalhadores autônomos e “uberizados”, porém não podemos deixar de reconhecer que não se promovem mudanças socialmente justas no mundo do trabalho, sem reconhecer o devido valor e a necessidade de sindicatos fortes e participativos.
A liberdade está muito além de discursos midiaticamente construídos, para usar a falácia da defesa da liberdade para iludir o povo e construir a falsa sensação de plena liberdade. Na verdade, estudos e recomendações como as que estão contidas no relatório do GAET visam apenas a manutenção de uma elite dominante no poder, e, consequentemente, com poder de determinar qual o tipo e o grau de liberdade que o povo terá acesso.
Seja livre, pare e pense com liberdade e consciência!