A democracia de gafanhotos e formigas

”De todas as preocupações com a inflação, a migração, o populismo, as
alterações climáticas, as pandemias, a segurança e o terrorismo, apenas uma
perspectiva aterroriza verdadeiramente os poderes instalados da Europa: a
democracia! Falam em nome da democracia, mas apenas para negá-la,
exorcizar e reprimir na prática. O que procuram fazer é cooptar, fugir,
corromper, mistificar, usurpar e manipular a democracia, quebrando a sua
energia e impedindo que esta veja a luz do dia”. (Um manifesto para
democratizar a Europa – DiEM25)

O trecho acima, elaborado por um movimento criado na Alemanha, em 2016,
com o claro objetivo de democratizar a Europa, cai também como uma luva
para o nosso quase democrático Brasil, onde muito se fala em democracia –
como se ela se restringisse à democracia eleitoral, com eleições regulares,
liberdade de candidatura, partidos políticos etc. – enquanto o foco real deveria
estar na consolidação de uma democracia plena.

Um país pode ser classificado como “democrático”, quando 33 milhões de
indivíduos passam fome? Quando 100 milhões de pessoas não sabem se farão
as três refeições amanhã? Quando direitos trabalhistas e políticas de proteção
social são canceladas pelo governo? Quando o 1% mais rico concentra 30% da
renda de todo o país? Quando o 1% mais rico possui mais reservas financeiras
(dinheiro) do que os 90% mais pobres? Não à toa, o Brasil foi considerado o
país com a maior desigualdade social do mundo.

O mundo, aliás, passa por uma onda de ressurgimento do autoritarismo, seja
ele liberal ou populista, cujos expoentes políticos são devidamente amparados
por uma corrente de pensamento conservadora e por oligarcas (homens de
negócios com enorme riqueza, grande influência e donos dos meios de
comunicação). Esta linhagem de figuras que se posicionam favoráveis à
democracia em suas aparições públicas e discursos e nos corredores dos
espaços políticos, tramam contra qualquer iniciativa individual ou coletiva de
defesa da Democracia plena.

Esses predadores da Democracia, devidamente camuflados por discursos e
pela veiculação de notícias e conceitos orientados pela grande mídia, precisam
que toda e qualquer iniciativa, individual ou coletiva, que seja baseada na
liberdade de pensamento e na liberdade de tecer críticas ao sistema político, às
desigualdades sociais e à concentração de renda, seja desqualificada,
intimidada e reprimida, através da aplicação seletiva da justiça, da perseguição
política e do uso de violência física.

É preciso que a população seja alertada que está sendo diariamente enganada
pelos oligarcas que estão no controle do país e pelos governantes e políticos
cooptados pelo poder econômico desta casta de gafanhotos antidemocráticos,
que devoram tudo o que encontram pelo caminho, incluindo espaços e
instituições que promovem o diálogo social, políticas sociais, empregos, direitos
trabalhistas, liberdades individuais, igualdades de gênero, raça, religião,
atacando os sindicatos, os movimentos sociais e o mundo acadêmico. O
incrível é que usam, de maneira falsa e descarada, a defesa da democracia
como justificativa para estas barbaridades.

Essa pequena parcela da sociedade oprime, manipula e explora a imensa
maioria da população (as formiguinhas), que são caracterizadas pelo trabalho
coletivo e incansável. No caso, as formigas são os trabalhadores e as
trabalhadoras em todas as suas dimensões (formais, informais, aposentados e
desempregados), os jovens e os idosos, e, por fim, todos aqueles que podem
consumir o que é produzido pelos grandes grupos empresariais.

Você já reparou que, a cada crise que ocorre no mundo, em uma determinada
região ou em um determinado país, alguém sempre fica mais rico e muitos
ficam mais pobres? Qual o real interesse do governo ao socorrer empresas
através de subsídios, desonerações de folha de pagamento, redução de taxas
e impostos, sem nenhuma contrapartida que favoreça a geração de emprego e
renda e uma distribuição mais justa da riqueza produzida?

A resposta está no poder da oligarquia dominante, que comanda e determina
como o Estado deverá se comportar e quais políticas deverão ser adotadas,
modificadas ou extintas, tudo mascarado com um verniz democrático. Afinal de
contas, este grupo busca apenas manter suas prerrogativas de acumulação de
riqueza e poder, e, descaradamente, fala em mudar tudo – desde que tudo
continue do mesmo jeito (poucos mandando e muitos obedecendo).

A democracia pode ser definida como um governo de muitos (as formiguinhas),
enquanto a oligarquia é um governo de poucos (os gafanhotos). Precisamos
ficar atentos e parar de acreditar que devemos nos afastar da política, que
devemos deixar de falar da política, pois, ao agir assim, estamos fazendo o
jogo e a democracia dos gafanhotos. Quando abandonamos a política, ela nos
abandona e ficamos reféns de decisões tomadas por poucos, mas que
prejudicam muitos.

Só é possível mudar a forma de fazer política, se mudarmos os políticos.
Precisamos dar poder para as formigas: caso contrário, continuaremos sendo
alimentos dos gafanhotos. Só caminharemos em direção a uma democracia
plena, se tivermos a plena consciência da importância da liberdade de pensar e
agir, com responsabilidade, em defesa do bem-estar comum e do respeito a
todos os direitos.

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