A armadilha da pobreza

Nas últimas décadas, ocorreu uma redução do número de pobres no mundo: somente na China, 700 milhões de pessoas deixaram de ser contabilizadas como miseráveis. Mas o progresso não é uniforme, e, muito menos, suficiente para reduzir as desigualdades sociais ao redor do nosso planeta.

O sistema capitalista, que rege as economias mundiais e todas as relações comerciais, industriais e sociais dele decorrentes, tem a convicção de que o consumismo exagerado é o caminho para ampliar as vendas de produtos e serviços, além de entorpecer a consciência social, evitando críticas mais duras e contrárias a esta lógica excludente.

A partir de 2017, em consequência das discussões realizadas durante o Fórum Econômico Mundial, ficou evidenciada a necessidade de uma abordagem social mais inclusiva, quando se fala de geração de crescimento econômico. Quando as pessoas não conseguem participar do mercado formal de trabalho, quando este mercado paga salários cada vez mais insuficientes para uma vida minimamente digna e ainda empurra milhões de trabalhadores para a roleta russa da informalidade, o consumo cai, as empresas vendem menos e o lucro tende a ser menor.

Apesar desta crescente preocupação, o viés inclusivo do crescimento econômico continua a ser apenas uma esperança de dias melhores e desigualdades menores. Até que este sonho se transforme em realidade, o mundo conviverá com níveis obscenos de pobreza, isto sem falar do vergonhoso crescimento do número de pessoas que passam fome.

A meritocracia como muleta

Nas últimas décadas, a classe média perdeu muito do seu poder aquisitivo, não alcançou o andar de cima da pirâmide social e viu, ainda, a distância para os mais pobres diminuir. Este novo contexto é o estopim para a explosão de uma insensata crença, de que a extrema direita será capaz de restaurar as ilusões perdidas.

As elites dominantes usam diversas estratégias para transferir a culpa por possíveis fracassos para os indivíduos – afastando, assim, o risco de que o povo entenda que é o sistema capitalista quem determina que a maioria dos indivíduos trabalhe e consuma, para sustentar uma pequena parcela de “privilegiados”.

A mensagem “você pode deixar de ser um empregado e se tornar um empreendedor de sucesso” é mais uma forma criativa de condicionar e submeter o pensamento social aos interesses da classe dominante.

Quando a elite fala em meritocracia, traz a falsa mensagem de que o sucesso só chega para aqueles que se dedicam com afinco. Nesse conceito, as mazelas das desigualdades sociais (como o desemprego, a fome, a falta de saúde e de educação) são varridas para baixo do tapete.

A meritocracia, então, é mais uma desculpa e uma forma de manipular a opinião pública, para que o povo aceite, passivamente, os efeitos nocivos e desumanos de uma economia excludente – a maior responsável pela perpetuação da pobreza em todos os continentes e países.

Somente com o respeito aos direitos humanos mais básicos, como acesso à educação, alimentação, moradia, saúde e emprego, a pobreza poderá ser combatida.

Não existe a menor chance de que as crianças que não têm acesso à internet possam chegar ao mesmo nível de informações das crianças que vivem no primeiro mundo.

Não existe a menor chance de que as crianças que passam fome, ou não se alimentem corretamente, tenham o mesmo nível de aprendizado das crianças que vivem no primeiro mundo.

Não existe a menor chance de que os trabalhadores informais e desempregados possam dar um padrão de vida para suas famílias, minimamente parecido com os padrões do primeiro mundo.

Se não repensarmos o modelo de desenvolvimento econômico dos países, se não sairmos efetivamente do discurso de combate às desigualdades e exigir e adotar a solidariedade e a inclusão social como pontos centrais das políticas públicas, jamais estaremos livres das armadilhas da pobreza.

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